Toda vez que chove em São Paulo, aquela cena se repete: os celulares começam a piscar, a casa fica escura, e a gente já sabe que vai ficar horas sem luz. Parece que a Enel trabalha só em dias de sol, literalmente.

Mas aqui está a parte importante: isso não é uma sensação, não é falta de sorte. Existem dados duros que mostram exatamente o que aconteceu com a empresa e por que a situação piorou tanto nos últimos dois anos.

📉 O que fez a Enel ficar ruim

A história começa em 2019, quando a Enel italiana assumiu a Eletropaulo. A empresa fez uma aposta: cortar custos ao máximo para aumentar lucros. Parecia brilhante na teoria. Na prática, destruiu a capacidade da empresa de lidar com qualquer coisa além de um dia normal sem nuvens.

Primeiro, os números. Entre 2019 e 2023, a Enel demitiu 36% de seus funcionários. Saíram 8.469 pessoas. O quadro caiu de 23.835 para 15.366 colaboradores.

Parece um número abstrato, até você perceber o que isso significa: enquanto isso, a empresa ganhava mais de 500 mil novos clientes. Ou seja, tinha que servir mais gente com menos gente. Em 2019, havia 1 funcionário para cada 307 clientes. Em 2023, era 1 para 511. Basicamente, pediram para metade das pessoas fazer o mesmo trabalho.

O resultado? Os apagões explodiram.


Siga a gente nas redes!

📸 Instagram | 🎥 YouTube | 🎵 TikTok | 💬 WhatsApp


🔴 Os números não mentem

Veja só o que os dados da ANEEL (a agência que fiscaliza energia) mostram:

2023: aproximadamente 120 mil ocorrências de falta de luz no ano
2024: 357 mil ocorrências — quase 3 vezes mais que 2023
2025: já teve 328 mil ocorrências só até outubro, o que projeta algo em torno de 394 mil no ano inteiro

A luz cai o triplo agora do que há dois anos. Enquanto isso, a Enel diz que aumentou investimentos. Coisa estranha, né?

Tem mais. Quando a luz cai, a Enel demora o dobro de tempo que suas concorrentes para despachar um técnico. A ANEEL descobriu que o “Tempo Médio de Preparo” da empresa é 95% superior à média das outras distribuidoras. Menos gente significava menos caminhões de prontidão, menos equipes em rua, menos velocidade para agir.

Quando chove forte, todo mundo precisa de ajuda ao mesmo tempo, e a Enel não tem recursos humanos para atender.

⛈️ Por que a chuva derruba tudo

Agora, você pode estar pensando: “Mas espera, tecnicamente a culpa não é só da Enel. São Paulo tem um problema de infraestrutura mesmo”. Verdade. Mas a Enel piorou um problema que já existia.

São Paulo usa principalmente redes aéreas de distribuição de energia. Apenas 0,3% da rede é subterrânea. Os fios ficam lá no ar, suspensos entre postes, expostos ao clima. Quando chove forte ou venta com força, coisas ruins acontecem:

Árvores caem: ventos acima de 75 km/h conseguem derrubar árvores inteiras que caem sobre os fios
Curtos-circuitos por umidade: a chuva, misturada com sujeira, poluição e folhas, cria uma camada condutora que causa desligamentos automáticos de proteção
Fios se tocando: ventos fortes fazem os fios oscilarem e, às vezes, encostam um no outro, criando curto-circuito

Tudo isso é tecnicamente normal. Aconteceria com qualquer distribuidora que operasse a rede nessas condições. A diferença é que outras empresas fazem manutenção preventiva. A Enel fez o oposto. A empresa executou menos de 1% das podas de árvore que tinha planejado em 2024. Ou seja: enquanto outras distribuidoras cortam árvores para evitar que caiam sobre os fios, a Enel deixava as árvores crescerem contra os fios.

Enterrar os 20 mil km de fiação custaria R$ 81 bilhões — algo claramente impraticável. Mas manter os fios aéreos exige poda constante, manutenção contínua, gente disponível. A Enel decidiu pular essas coisas.

🌡️ O clima também está piorando

Tem outro fator aqui que é importante: o clima está realmente ficando mais extremo em São Paulo. Não é culpa da Enel, mas piora a situação para uma empresa que deixou a infraestrutura frágil.

Nos últimos 20 anos, São Paulo registrou 11 eventos de chuva acima de 100 mm/dia. Nos 60 anos anteriores (1941 a 2000), foram apenas 10 eventos. Ou seja: em 20 anos, a gente teve mais chuvas extremas do que em 60 anos.

A cidade de São Paulo aqueceu 4 °C em 100 anos — bem acima da média global de 1°C — devido ao efeito ilha de calor. Aquele calor absurdo do concreto, do asfalto, da falta de árvores (ironia, né?) amplifica os eventos extremos.

Entre a primeira década de 2000 e a segunda, os temporais realmente intensos foram de 2 dias a cada 10 anos para 7 dias. A tendência é clara: está mais intenso, mais frequente.

Um exemplo bem recente: em dezembro de 2025, um ciclone deixou 2 milhões de pessoas sem energia em São Paulo, com ventos de até 98 km/h. O problema é que a Enel criou um sistema que funciona perfeitamente em dias de sol. Mas quando o clima fica intenso — justamente quando mais precisa — tudo desaba.

💰 O paradoxo do dinheiro

Aqui está o mais frustrante: enquanto isso tudo acontecia, enquanto os apagões triplicavam, a Enel lucrava muito. A empresa teve R$ 819 milhões de lucro em apenas 9 meses de 2024.

A matemática deles era perfeita: menos funcionários = menos despesa com folha; menos poda = menos despesa com manutenção; menos velocidade = menos gasto com logística. Menos despesa = mais lucro. Só que a qualidade do serviço caiu pela metade.

⚖️ O que fazer com a Enel?

A pergunta que todo mundo faz é: a Enel deveria perder a concessão? A resposta jurídica é… complicada. Existe um processo na ANEEL chamado caducidade que pode levar à cassação da concessão, mas está lento. A Justiça já suspendeu a renovação antecipada do contrato, que vence em 2028.

Se a prefeitura simplesmente não renovar em 2028, a gente ganha a oportunidade de uma nova licitação, possivelmente com outra empresa. Alternativamente, o governo poderia fazer uma intervenção administrativa, colocando alguém novo para cuidar da diretoria temporariamente. A ANEEL também pode aplicar multas pesadas — já multou em R$ 165 milhões em 2024 — mas a Enel consegue suspender o pagamento na Justiça.

A verdade é que trocar de empresa também não é rápido. Pode levar tempo, tem riscos. Mas a pergunta que fica é: por que a população de São Paulo tem que esperar até 2028 sofrendo apagões toda vez que chove?

🎯 O que a gente pode fazer

Cobrar transparência: exigir que a Enel publique dados reais de investimento, número de podas, quantidade de funcionários técnicos
Fiscalizar: acompanhar os processos na ANEEL e na Justiça, cobrar das autoridades por transparência
Fazer pressão: campanhas nas redes sociais mostrando que a empresa lucra enquanto a gente fica sem luz; petições online; abaixo-assinados
Buscar alternativas: apoiar projetos de energia distribuída, painéis solares, microrredes comunitárias que não dependem tanto da Enel

📌 O resumo da história

A Enel é “ruim” porque escolheu ser ruim. Não é que não consegue — escolheu. Há 10 anos tinha mais funcionários, fazia mais poda, investia em manutenção, e tinha muito menos apagões. Depois que decidiu focar 100% em lucro, cortou tudo que era gasto e virou o que é hoje: uma empresa que não aguenta chuva.

O clima está ficando mais extremo em São Paulo, é verdade. Mas a culpa dos apagões em um temporal não é só do temporal. É principalmente de uma empresa que deixou a infraestrutura frágil demais para aguentar tempestades reais.

A Enel trocou manutenção preventiva e gente (caro) por automação e corte de custos (barato). Funcionou para o lucro. Não funcionou para resiliência.

Enquanto isso, toda vez que chove, a gente sabe no que vai dar: celular piscando, casa escura, dias sem luz. E a Enel lucra com isso.

📚 Quer se aprofundar?

Aqui estão as fontes que a gente usou para montar esse texto — todas confiáveis e com dados oficiais:

Sobre a infraestrutura aérea e seus problemas:

Sobre os cortes de funcionários e a deterioração do serviço:

Sobre as mudanças climáticas em São Paulo:

Sobre o ciclone de dezembro de 2025:

Sobre lucros da Enel e investimentos:

Leave a Reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.