O deputado João Campos, autor do projeto chamado de “cura gay” (Foto: Divulgação/PSDB)
Meu, eu não vou com a cara desse Feliciano! É verdade que agora ele fez um projeto para curar os gays?
Vamos por partes. O deputado Marco Feliciano (PSC-SP) é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Lá foi aprovado o Decreto Legislativo 234, que é o que as pessoas estão chamando de “projeto da cura gay”, que é de um outro deputado, chamado João Campos (PSDB-GO).
Quer dizer que agora ele vai impor cura a todos os gays? Com a igreja dele?
Não é bem assim. O projeto 234 não diz isso, não. O que ele faz é sustar (suspender) um parágrafo de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia que impede os psicólogos de colaborar “com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”. Isso é o que diz o texto do próprio projeto.
Mas se foi o Conselho Federal de Psicologia que mandou, por que eles querem se meter?
O texto alega que, do jeito que está escrita, a resolução impede o livre-exercício da profissão de psicólogo. Quer dizer, o CFP estaria limitando os direitos desses profissionais. Para o deputado João Campos, isso quer dizer que o conselho “extrapolou o seu poder regulamentar”. Resumindo, que essa resolução do CFP entra em um terreno que deveria ser do Poder Legislativo, dos deputados e senadores.
Cara, não entendi. O quê?
Vou resumir: o Conselho Federal de Psicologia é o órgão que organiza e supervisiona as atividades de todos os psicólogos do Brasil, certo? Para atuar nessa profissão, você precisa da autorização dele. Em 1999, o CFP publicou uma resolução que determinava e atualizava as regras da psicologia brasileira. Dentre elas, esse texto proibia os psicólogos de lidarem com a homossexualidade como doença, e também de participar de qualquer atividade que partisse do princípios de que pessoas que sentem atração pelo mesmo sexo são doentes.
Certo, e aí o Feliciano fez o quê?
Peraí, esquece o Feliciano por dois minutos. Aí o deputado João Campos fez esse projeto querendo anular essa resolução do CFP, porque ele diz que esse órgão não tem poder para proibir os psicólogos de fazerem nada. Ele diz que só quem pode fazer isso são os deputados e senadores, criando uma lei específica para isso. Agora sim, o Feliciano: ele é o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias e aprovou o projeto.
E o que isso significa?
Significa que ele vai ser encaminhado para outras comissões antes de ser votado na Câmara dos Deputados.
Ah, então ainda não está valendo?
Não, ainda não. Ele ainda tem que passar por duas comissões, e elas podem rejeitar o projeto, se elas acharam que ele tem problemas.
Tranquilo, então! Por que o pessoal ficou bravo?
Porque esse ato do Feliciano foi visto como uma provocação. Ele foi acusado de fazer declarações racistas e homofóbicas. Além disso, ele é pastor e abertamente defende posições conservadoras a respeito de assuntos como casamento gay e aborto. Algumas igrejas evangélicas dizem poder “curar” os gays e esse projeto pode abrir uma brecha para que elas ofereçam esse “serviço”.
Mas se alguém achar que pode se curar ele não deveria poder se tratar? E os psicólogos não deveriam ter a liberdade de ajudar?
A questão é a seguinte: é um consenso internacional que a homossexualidade não é uma doença. Desde 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS) tirou essa orientação sexual da lista de doenças. Então está errado oferecer ou falar em “tratamento” para algo que não é doença.
Poxa, mas eu vi o próprio Feliciano dizendo que ele não acha que homossexualidade é doença. O pessoal não está pegando no pé dele demais?
De fato ele está dizendo isso agora, mas ele também disse que “não há consenso” sobre o que a homossexualidade é. Bom, pode até ser verdade isso. Mas uma coisa ela não é: doença. Isso está dito em várias resoluções no Brasil e no mundo. O argumento que ele usa é o de que o texto da resolução do Conselho Federal de Psicologia impede o estudo da homossexualidade e, por isso, proíbe o exercício da profissão.
Quem está certo?
Olha, por mais que a gente não possa ignorar que as pessoas têm opiniões diferentes, também não é bacana que se use leis para permitir o preconceito. E dizer que gays podem ser “tratados” é uma visão que entra em conflito com os tempos que a gente vive. É muito difícil entender essa questão jurídica do projeto de lei do João Campos, mas dá para entender porque o pessoal que luta pelos direitos dos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) está incomodado. Afinal de contas, até o Supremo Tribunal Federal já disse que pessoas do mesmo sexo podem se casar. E dar a essas pessoas os direitos que todas as outras pessoas têm também é uma tendência mundial.
Saiba mais:
– Projeto de Decreto Legislativo 234/2011
– Resolução 1/99 do Conselho Federal de Psicologia
– Vídeo de Marco Feliciano
– Superinteressante
– Terra
– O Globo