Foto: Nelson Jr./SCO/STF (23/10/2014)

José Rodrigo Rodriguez é professor, pesquisador e escritor. Sua especialidade é filosofia do direito, mas ele gosta de muitos outros assuntos, como música, cinema e poesia. Ele é nosso novo colunista e escreve a cada duas semanas. joserodrigorodriguez.com

O Ministro Gilmar Mendes tem sido muito criticado por ter pedido vistas (pediu para estudar com mais calma) do processo que questiona o financiamento empresarial de campanhas eleitorais. O processo em questão é o da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4650 que foi proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a qual pede ao STF que declare inconstitucionais dispositivos da legislação eleitoral – Leis 9.096/95 e 9.504/97 que autorizam doações de empresas a candidatos e a partidos políticos. O julgamento desta ação, diga-se, começou em dezembro de 2013.

De fato, o Ministro tem direito de pedir vista do processo. O regimento (o regulamento interno) do STF prevê um prazo para a devolução do processos autos. Mas não há notícia da punição nenhum Ministro ou Ministra por ter ultrapassado este tempo regulamentar. E isso ocorreu inúmeras vezes ao longo da história do Supremo. Não faria sentido punir Gilmar Mendes por esta razão justo agora.

O que a sociedade parece se perguntar é se Gilmar Mendes pediu vistas dos autos por razões políticas. “Política” aqui, entenda-se, interesses partidários ou ligados ao Governo ou à oposição. Essa mesma pergunta, diga-se, foi feita em outros momentos da história, em situações parecidas, mas protagonizadas por outros Ministros.

Não há como dizer que o pedido de vista, em si mesmo, seja um ato político. Ele serve para que o juiz possa examinar o processo com mais cuidado e ter mais tempo para estudar o problema que irá que enfrentar.

Justamente aqui é que a coisa se complica. Não há como dizer que o pedido de vista, em si mesmo, seja um ato político. Ele serve para que o juiz possa examinar o processo com mais cuidado e ter mais tempo para estudar o problema que irá que enfrentar.

O problema é que quase tudo o que o STF faz ou deixa de fazer tem significado político, ou seja, será interpretado pelo sistema político desta ou daquela maneira. Ao decidir um processo, o STF certamente está agradando a certos grupos e desagradando a outros. Ao demorar para decidir, pode-se dizer o mesmo.

Neste caso, o pedido de vista permitiu que o Congresso tivesse tempo hábil de se manifestar sobre assuntos tratados na ação judicial. Se o processo tivesse andado mais rápido, talvez o Congresso tivesse decidido não votar a Emenda Constitucional que aprovou na semana passada (que permite a doação de empresas a partidos políticos), por exemplo, pois a questão já teria sido examinada pelo STF.

Ou, ao contrário, poderia sair do processo mais coeso e motivado a votar a Emenda para reverter a decisão do STF, o que poderia abrir uma crise entre os poderes. Afinal, o STF poderia decidir julgar e nova Emenda aprovada pelo Congresso inconstitucional e o ciclo de conflitos e debates se reabriria.

Mas de nada disso se segue, de jeito algum, que os ministros e ministras sempre tenham algum interesse político não revelado ao agir ou deixar de agir. Também não se segue que o Ministro Gilmar Mendes estivesse alinhado com algum interesse político-partidário. Para dizer com convicção alguma coisa neste sentido, seria preciso ter uma evidência mais contundente.

Podemos apontar o significado político do lento andamento da AdinDIN (ação direta de inconstitucionalidade), podemos mostrar como este andamento abriu mais espaço para o Congresso agir, em detrimento do STF. Mas é só.

Também podemos lembrar que, com um Congresso mais atuante, o STF verá seu papel diminuído. Neste caso, mesmo diante de uma decisão do Tribunal Supremo, por meio de Emenda Constitucional é possível mudar nosso direito. Se esta tendência se efetivar, ficará claro que nenhum Ministro ou Ministra, ou o STF como um todo, tem tanto poder quanto alguns talvez imaginem.

Seja como for, os analistas da política tendem a reduzir o STF à política partidária e refletir sobre este Tribunal utilizando as mesmas ferramentas de análise que usam para examinar as ações do governo, da oposição e dos partidos. Quase sempre, este modo de proceder produz análises imprecisas que terminam por informar mal aos interessados e interessadas.

Não há razões para supor, por exemplo, que os Ministros e Ministras do STF pautem a sua ação pelos interesses dos partidos. Ou que suas atitudes sejam programadas pelas disputas entre governo e oposição.

Não há razões para supor, por exemplo, que os Ministros e Ministras do STF pautem a sua ação pelos interesses dos partidos. Ou que suas atitudes sejam programadas pelas disputas entre governo e oposição. Diversos votos proferidos por eles e por elas demonstram tal fato à exaustão. Por exemplo, votos proferidos contra os interesses mais imediatos de quem os indicou para o cargo.

Mas isso significa que não faz sentido discutir os pedidos de vista e as demais ações dos Ministros e das Ministras? Não podemos questionar suas atitudes na esfera pública?

Podemos e devemos fazê-lo, mas por outros caminhos. É preciso utilizar também outras ideias, outras estratégias que não reduzam toda a ação do estado à política partidária.

Por exemplo, diante deste caso, é importante que nos perguntemos se não seria uma boa ideia passara a exigir que os pedidos de vista fossem justificados. Já que o pedido de vista, que à primeira vista parece ser algo trivial, sem qualquer significado político, ganhou estas dimensões e essa importância, seria uma boa ideia discutir qual deve ser a sua configuração institucional.

A exigência de justificativa poderia constar em lei: ao pedir vista o juiz ou juíza deveria então declarar o tempo necessário para se informar sobre o problema e a razão do pedido naquele momento; um pedido sujeito a recusa por parte do relator do processo.

Posta a questão desta maneira, a sociedade poderia debater a justificativa oferecida e verificar se ela é razoável ou não. Insisto, esta não foi a primeira vez que um Ministro ou Ministra do STF pediu vistas dos autos e, com tal atitude, abriu espaço para a ação de outro poder.

O que espanta é que este problema ainda não tenha sido discutido no contexto dos freios e contrapesos de nosso modelo de separação dos poderes. Tal fato talvez se explique pelo fato de estarmos todos e todas “viciados” na racionalidade da política partidária e estejamos nos esquecendo da especificidade da linguagem do direito.

No fim das contas, podemos dizer que o STF seja um tribunal político. Mas político em um outro sentido.

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