Como Eduardo virou uma figura capaz de influenciar a Casa Branca

Você provavelmente já percebeu o padrão: aliado de Jair Bolsonaro é condenado ou vira alvo do STF → some um tempo → reaparece… nos Estados Unidos.

Não é coincidência, nem só “fuga para Miami”. Tem lei, tem diferença de visão entre Brasil e EUA e tem também o fator Donald Trump.

Vamos por partes, em português claro.


1. Como funciona, na prática, pedir alguém de volta aos EUA?

Quando o Brasil quer que um investigado ou condenado que está em outro país volte para cá, ele faz um pedido de extradição.

É basicamente isso:

“Olha, essa pessoa cometeu crimes aqui, você pode prender e mandar de volta?”

Só que isso não é no improviso. Brasil e Estados Unidos têm um tratado de extradição, assinado em 1961 e colocado em vigor em 1965.

Esse tratado diz duas coisas importantes para a nossa conversa:

  • a extradição pode ser recusada se o crime for considerado “político”;
  • quem decide se é crime político ou não é o país que recebe o pedido — no caso, os EUA.

E aí entra outro ponto: nos Estados Unidos, a proteção à liberdade de expressão é muito ampla. Um discurso que aqui entra em investigação como parte de uma trama contra a democracia, lá muitas vezes é visto como “opinião política”, por mais absurda que pareça. É exatamente aí que vários bolsonaristas tentam se encaixar.


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2. Allan dos Santos: quando os EUA dizem “isso é crime de opinião”

O caso do Allan dos Santos é quase um manual de como essa brecha funciona.

Ele mora nos EUA desde 2020. Em 2021, Alexandre de Moraes decretou a prisão preventiva dele em inquéritos sobre fake news e milícias digitais.

O Brasil pediu a extradição. Mas, em março de 2024, a Justiça americana arquivou o pedido, segundo relato do senador Jorge Seif no Senado. A justificativa foi direta: os crimes apontados seriam “crime de opinião”.

Na prática, o que as autoridades dos EUA disseram foi:

“O que vocês estão descrevendo aqui parece mais coisa de fala, post e posicionamento político do que crime que justifique extradição.”

Isso não significa que Allan “foi absolvido” ou que os EUA concordam com o que ele fala. Significa apenas que, pela lógica deles, esse tipo de conduta não entra no pacote de crimes que justificam mandar alguém de volta para outro país.

Por isso o caso dele virou referência: mostrou que, quando as acusações misturam redes sociais, discurso e política, é muito mais difícil o Brasil conseguir extradição.


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3. Eduardo Bolsonaro: não é esconderijo, é palco

Com Eduardo Bolsonaro a situação é diferente.

Ele pediu licença do mandato na Câmara em fevereiro de 2025 e se mudou para os EUA dizendo que sofria perseguição política no Brasil. Meses depois, a Procuradoria-Geral da República o denunciou por coação no curso do processo — em resumo, tentar interferir em um julgamento em andamento.

Qual foi a acusação?

Que Eduardo teria atuado junto a autoridades americanas, ajudando a pressionar o STF e o governo brasileiro por meio de sanções e tarifas, justamente enquanto o pai era julgado pela tentativa de golpe. A Primeira Turma do STF aceitou a denúncia por unanimidade e transformou Eduardo em réu.

Aqui, os EUA não entram como “salvadores” jurídicos de Eduardo. O ponto é outro: ele usa o território americano como base política, para falar com congressistas de lá, dar entrevistas e reforçar a narrativa de que Bolsonaro é vítima de perseguição.

Ou seja: no caso de Eduardo, os EUA são menos abrigo e mais megafone.


4. Alexandre Ramagem: o teste mais delicado

Já o caso de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, é mais pesado.

Em setembro de 2025, ele foi condenado pelo STF a 16 anos, 1 mês e 15 dias de prisão, por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Mesmo estando proibido de sair do país e tendo entregue os passaportes, Ramagem apareceu em Miami, nos EUA, em novembro de 2025. O registro foi divulgado por um site, e a polícia passou a investigar uma possível rota “criativa” até lá: avião para Roraima, carro até a fronteira, outro país, e só depois o voo para os EUA.

Ao ver as imagens, Alexandre de Moraes decretou a prisão preventiva de Ramagem, que então declarou estar “seguro” nos EUA e disse que não é foragido.

Aqui, a história muda de patamar em relação a Allan:

  • não se trata apenas de discurso ou opinião;
  • as acusações incluem sabotagem de investigações, uso político da máquina de inteligência e participação em plano golpista — crimes que também existem na legislação americana, ainda que com nomes diferentes.

Por isso muita gente vê o caso Ramagem como um teste real: se o Brasil pedir a extradição, como os EUA vão reagir? Se recusarem, a justificativa dificilmente será só jurídica.


5. Não é só com o Brasil: um padrão latino-americano

Esse “vai para os EUA quando a Justiça aperta” não é invenção do bolsonarismo.

O ex-presidente do Peru Alejandro Toledo, por exemplo, ficou anos vivendo nos Estados Unidos enquanto era investigado por corrupção no caso Odebrecht. Os EUA só autorizaram a extradição dele em 2023, depois de um processo longo e cheio de recursos.

Reportagens relembram que vários ex-presidentes latino-americanos — principalmente do Peru, mas também de outros países da região — já foram presos ou processados depois de sair do poder. Em muitos casos, passaram um período no exterior tentando evitar ou atrasar prisões.

Ou seja: os EUA já eram vistos como porto relativamente seguro para líderes e políticos da América Latina que dizem estar sendo perseguidos. O bolsonarismo está surfando uma onda que já existia, mas com mais barulho e mais exposição.


6. E onde entra Donald Trump nessa história?

Com Donald Trump de volta à presidência dos EUA, o cenário ganhou mais tensão.

Trump já criticou publicamente o julgamento de Bolsonaro no STF, chamou o processo de “caça às bruxas” e disse que o ex-presidente “não é culpado de nada”.

Além do discurso, o governo Trump adotou medidas concretas: anunciou tarifas altas sobre produtos brasileiros e sanções pessoais contra Alexandre de Moraes, usando uma legislação americana que permite punir autoridades acusadas de violar direitos humanos.

Na prática, os EUA passaram a usar instrumentos econômicos e diplomáticos em uma briga que começou dentro da Justiça brasileira.

Isso faz diferença na percepção de quem foge: se o presidente do país para onde você vai defende sua versão dos fatos, o lugar parece ainda mais seguro.


7. O que tudo isso diz sobre o Brasil agora

Juntando as peças, dá pra enxergar três movimentos.

O primeiro: o Brasil continua julgando e condenando figuras importantes ligadas à tentativa de golpe: de Bolsonaro a Ramagem. Mas, quando alguns desses condenados ou investigados vão para outro país, a aplicação prática das decisões passa a depender também da vontade desse outro país.

O segundo: parte da disputa política brasileira saiu do território nacional. Agora ela passa também por Washington, por reuniões com congressistas americanos, por sanções e tarifas. A briga não é mais só STF x bolsonaristas; é Brasil x Estados Unidos em alguns momentos.

O terceiro: os EUA estão sendo usados ao mesmo tempo como refúgio, palco e arma.
Refúgio, no caso de quem tenta evitar prisão. Palco, no caso de quem usa o país para reforçar a narrativa de perseguição. E arma, quando sanções e tarifas entram no jogo para pressionar o Brasil.


8. E a pergunta que fica

Quando aliados de um ex-presidente condenado conseguem se instalar em outro país, com o qual o Brasil tem laços econômicos fortes, e esse país passa a comprar parte da narrativa deles, isso mexe no equilíbrio interno.

Não é só uma história de “gente fugindo para Miami”. É uma história de como decisões tomadas em Brasília hoje podem depender, em alguma medida, do que Washington aceita ou não.

E essa talvez seja a parte mais delicada: o Brasil está aprendendo, na marra, que proteger a própria democracia às vezes passa também por convencer outros países de que essa proteção não é perseguição política.

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Quer saber mais?

🔗 1. Tratado de Extradição Brasil–EUA (1961) — texto oficial

Planalto: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/d55750.htm

É o documento que define oficialmente quando os EUA podem ou não entregar alguém ao Brasil. Para quem quer entender o coração jurídico da história, esse é o ponto de partida.


🔗 2. Como a Justiça dos EUA arquivou a extradição de Allan dos Santos

Poder360: https://www.poder360.com.br/poder-justica/interpol-e-eua-contrariaram-moraes-sobre-allan-dos-santos/

Explica como Interpol e Departamento de Estado dos EUA avaliaram as acusações contra Allan e por que interpretaram parte delas como “crime de opinião”.


🔗 3. STF torna Eduardo Bolsonaro réu por articulação nos EUA

Agência Brasil: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2025-11/por-unanimidade-stf-torna-eduardo-bolsonaro-reu-por-atuacao-nos-eua

Mostra como o STF entendeu a estratégia de Eduardo nos EUA — não como exílio, mas como tentativa de interferir no processo do pai. É uma peça central da narrativa.


🔗 4. Caso Ramagem: fuga, condenação e presença nos EUA

BBC Brasil: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c5y236dv91yo

Reportagem detalhada sobre a condenação de Ramagem, sua ida aos EUA mesmo proibido e o impacto disso para possíveis pedidos de extradição. É o caso mais sensível.


🔗 5. A relação turbulenta Trump–Brasil e as sanções contra Moraes

Agência Brasil: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2025-07/trump-cita-bolsonaro-moraes-e-plataformas-para-justificar-taxacao

Mostra como Trump politizou o caso Bolsonaro e usou tarifas e sanções contra autoridades brasileiras. Ajuda a entender por que o ambiente americano ficou tão receptivo a certos aliados do ex-presidente.

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