Eles decidem se uma lei vale ou não. Julgam presidentes, deputados e senadores. Podem mandar soltar ou prender pessoas, interromper investigações, mudar rumos políticos e até interferir em políticas públicas. E, mesmo assim, você nunca votou em um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Se essa frase soa estranha, você não está sozinho. A pergunta aparece com frequência em conversas sobre democracia: por que pessoas com tanto poder não são escolhidas pelo voto? A resposta passa por história constitucional, pela maneira como o Estado organiza seus poderes e pela tentativa, nem sempre perfeita, de equilibrar política e justiça.
Como funciona a escolha do STF no Brasil
A regra está escrita na Constituição Federal de 1988: quem indica os ministros do STF é o presidente da República. Mas ele não decide sozinho. Depois da indicação, o nome precisa ser aprovado pelo Senado Federal, em uma sabatina (uma espécie de entrevista pública) e depois em uma votação: são necessários ao menos 41 dos 81 votos dos senadores.
Além disso, a própria Constituição impõe requisitos mínimos para o cargo:
- idade entre 35 e 75 anos;
- notável saber jurídico (ou seja, profundo conhecimento do Direito);
- reputação ilibada (sem antecedentes criminais ou condutas que comprometam a integridade da função).
Na prática, a escolha costuma ser mais política do que técnica. Presidentes indicam juristas com os quais têm afinidade ideológica ou confiança pessoal, ainda que dentro dos critérios constitucionais. E, embora o Senado tenha poder para rejeitar nomes, isso quase nunca acontece: desde 1988, quase todas as indicações foram aprovadas com facilidade, muitas vezes com votações simbólicas, sem grande oposição.

A lógica por trás do modelo
Por mais que pareça estranho, esse sistema não é um “capricho brasileiro”. Ele foi desenhado assim por uma razão: proteger a independência do Judiciário.
O raciocínio é simples: se juízes fossem eleitos, poderiam se ver pressionados a decidir conforme a vontade popular ou interesses eleitorais. Imagine um ministro evitando decisões impopulares por medo de perder votos ou ajustando seu voto para agradar um determinado grupo. Isso destruiria o papel fundamental de uma Suprema Corte: ser guardiã da Constituição, mesmo quando isso desagrada a maioria e/ou os poderosos.
Por outro lado, deixar que os próprios juízes escolham seus sucessores criaria outro risco: o de formar um poder fechado em si mesmo, sem nenhum controle democrático.
Por isso, a Constituição prevê um sistema de freios e contrapesos, que funciona assim:
- o Executivo indica,
- o Legislativo aprova,
- e o Judiciário, uma vez formado, atua com independência.
Essa engrenagem, conhecida pelo termo em inglês checks and balances, tenta impedir que um poder concentre tudo nas próprias mãos. O presidente tem influência, mas não decide sozinho. O Senado fiscaliza, mas não escolhe diretamente. E os ministros, depois de nomeados, têm liberdade para julgar sem medo de pressões externas.
Por que não elegê-los diretamente?
A ideia de eleger juízes aparece de tempos em tempos, mas é altamente controversa. Há três grandes motivos pelos quais isso é considerado arriscado:
1. Pressão populista
Decisões constitucionais muitas vezes vão contra a opinião pública, e isso é parte essencial do trabalho. Juízes precisam interpretar a Constituição, não seguir pesquisas de intenção de voto. Se fossem eleitos, poderiam evitar julgamentos impopulares (como decisões em defesa de minorias) por medo de perder apoio.
2. Perda de especialização
O cargo exige conhecimento jurídico profundo, difícil de avaliar por meio de eleição. Campanhas priorizam carisma, slogans e marketing, não necessariamente competência técnica. O processo de indicação seguido de sabatina permite ao menos um filtro mínimo de qualidade.
3. Risco de captura política
Campanhas eleitorais custam caro. Se ministros tivessem que disputar votos, poderiam depender de doadores, partidos ou grupos de interesse, exatamente o tipo de influência que o modelo atual tenta evitar.
Nada disso significa que o sistema brasileiro seja perfeito. Críticos argumentam que a nomeação presidencial dá ao Executivo uma influência grande demais sobre a composição do tribunal. Em países com mandatos longos e presidentes reeleitos, isso pode alterar significativamente o perfil da Corte ao longo dos anos. Ainda assim, a maioria dos especialistas considera que esse modelo garante mais independência e estabilidade do que a eleição direta.
E lá fora, como é?
O Brasil está longe de ser exceção. A forma de escolher os membros das supremas cortes varia pelo mundo, mas a nomeação política com controle legislativo é a regra em grande parte das democracias.
- 🇺🇸 Estados Unidos – O presidente indica e o Senado confirma, exatamente como no Brasil. A diferença é que o mandato é vitalício (ou “enquanto durar boa conduta”), e as sabatinas costumam ser intensas e politicamente acirradas.
- 🇩🇪 Alemanha – Metade dos juízes do Tribunal Constitucional Federal é escolhida pela câmara baixa (Bundestag) e a outra metade pela câmara alta (Bundesrat). A aprovação exige maioria qualificada, o que obriga acordos entre partidos.
- 🇫🇷 França – O Conselho Constitucional inclui ex-presidentes e membros indicados pelo presidente, pelo presidente da Assembleia Nacional e pelo presidente do Senado.
- 🇮🇹 Itália – Três juízes são nomeados pelo presidente da República, cinco pelo Parlamento e cinco pelos tribunais superiores.
- 🇯🇵 Japão – O primeiro-ministro nomeia os juízes, que depois passam por um referendo popular simbólico (quase sempre aprovado).
Ou seja: o Brasil não inventou a roda, não existe “jabuticaba’ aqui. Em praticamente todos os países democráticos, a escolha dos juízes supremos envolve algum tipo de indicação política combinada com controle institucional. O que varia é quem indica, quem aprova e como esse poder é equilibrado.
E as alternativas ao modelo atual do STF
Alguns países adotaram soluções intermediárias entre eleição direta e nomeação presidencial. Uma das mais comuns é o chamado modelo meritório, no qual uma comissão independente de juristas escolhe uma lista tríplice de candidatos, e o Executivo ou o Parlamento escolhe um nome entre eles. A ideia é reduzir a influência política direta e aumentar a transparência.
Outras propostas em debate incluem:
- mandatos fixos (em vez de vitalícios) para renovar periodicamente a composição do tribunal;
- participação de entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) na formação das listas de candidatos;
- sabatinas mais rigorosas e públicas, com participação da sociedade civil.
Essas propostas aparecem com frequência no debate constitucional brasileiro, mas até agora nenhuma reforma teve apoio suficiente para ser aprovada.
O que está em jogo
A escolha dos ministros do STF é um daqueles temas que parecem técnicos demais até que se percebe quanto poder está envolvido. Por trás da nomeação presidencial existe uma lógica democrática: proteger o tribunal das pressões eleitorais e, ao mesmo tempo, garantir algum controle político por parte dos representantes eleitos.
É um equilíbrio delicado. De um lado, a necessidade de independência judicial, para que decisões sejam tomadas com base na Constituição e não na vontade do momento. De outro, a demanda por legitimidade democrática, para que o tribunal não se torne uma instituição isolada e desconectada da sociedade.
📚 Quer se aprofundar?
Aqui vão cinco leituras confiáveis e detalhadas sobre o tema:
- “Como será feita a indicação de ministros do STF?” — BBC Brasil
Artigo que explica o processo de indicação, algumas críticas e como funciona hoje no Brasil. bbc.com/portuguese/brasil-43978165 - “Como funciona a Suprema Corte no Brasil e em outros países” — Guia do Estudante / Abril
Comparativo leve e direto entre o modelo brasileiro e sistemas internacionais. guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/como-funciona-a-suprema-corte-no-brasil-e-em-outros-paises/ - “Indicação de ministro do STF é de livre escolha do presidente, mas Senado tem que aprovar: entenda” — G1
Notícia recente que aborda exatamente esse ponto de “livre escolha + sabatina”, com exemplos concretos. g1.globo.com/politica/noticia/2025/10/09/indicacao-de-ministro-do-stf-e-de-livre-escolha-do-presidente-da-republica-mas-senado-tem-que-aprovar-entenda.ghtml - “Quem indicou cada ministro ao STF: indicações foram feitas por Lula, Bolsonaro e até Dilma — veja” — Exame
Levantamento histórico com dados e cronologia das indicações de diferentes governos. exame.com/brasil/quem-indicou-cada-ministro-ao-stf-indicacoes-foram-feitas-por-lula-bolsonaro-e-ate-dilma-veja/ - “STF e a Constituição de 1988: a missão de guardião da democracia” — Notícias STF
Texto institucional que relaciona o STF à Constituição de 1988 e seu papel como guardião da ordem constitucional. noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-e-a-constituicao-de-1988-a-missao-de-guardiao-da-democracia/