(Foto: Reprodução/Facebook)

Resumo do caso

A Skol, marca de cervejas, colocou cartazes pela cidade de uma campanha especial de Carnaval com frases como: “Esqueci o ‘não’ em casa”, “Topo antes de saber a pergunta” e “Tô na sua, mesmo sem saber qual é a sua”. Duas mulheres, Pri Ferrari (publicitária) e Mila Alves (jornalista) se sentiram ofendidas com as peças publicitária.

Resolveram, então, fazer uma intervenção com fita crepe complementando a frase impressa, que dizia: “E trouxe o nunca”. Publicaram um manifesto e uma foto da ação criticando a empresa por incentivar o descontrole o assédio sexual durante a principal festa popular brasileira. Muita gente apoioi o protesto da dupla e outros acharam a reação exagerada.

A repercussão da postagem fez com que a Skol se pronunciasse. Em declaração ao site F5, Fábio Barracho diretor da empresa, disse: “Queríamos falar sobre a paquera, o amor, a pegação do Carnaval”. “Mas se houve uma interpretação errada, a gente muda, ouve o consumidor“, declarou. A Skol se comprometeu a retirar todos os anúncios.

Para entender melhor o porquê de Ferrari e Alves terem se sentido ofendidas, o Me Explica? entrevistou a antropóloga Heloisa Buarque de Almeida, professora doutora da Universidade de São Paulo, vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, coordenou entre 2014 e 2015 o programa USP Diversidade, que visa combater as desigualdades de gênero, sexualidade e raça na universidade. 

 

Por que o anúncio da Skol é machista?

No Brasil, há muita violência sexual e estupros porque muitos homens não escutam o “não” das mulheres ou acham que uma mulher diz “não”, mas quer dizer “sim”, e de modo prepotente e arrogante eles “forçam a barra”. Em pesquisas, há muitos relatos de mulheres que se sentiram forçadas a beijar ou a fazer sexo. Por um ideal machista de que o homens devem “pegar” quantas mulheres puderem, muitos abusam quando elas estão bêbadas ou desacordadas. Abusar de alguém que não pode reagir é crime. Beijar a força também é crime! E temos muitas campanhas agora falando sobre isso, sobre a noção de consentimento, sobre o não, e a publicidade em questão quer dizer que toda mulher que estiver no Carnaval, bebendo Skol, não pode dizer não, tem que topar. A propaganda dá a entender que não é ela que escolhe, mas tem que aceitar se for escolhida.

Mas ele não pode estar se referindo aos homens também?

Poderia em tese… Mas a indicação não é essa, porque tradicionalmente quem diz “não” é a mulher. Em nosso imaginário machista, o homem deve “pegar” quantas mulheres puder num Carnaval. Em segundo lugar, é um anúncio de cerveja, e a publicidade de cerveja sempre coloca a mulher como objeto sexual.

O que é “cultura do estupro”? Ouvi esse termo outro dia, mas não sei do que se trata.

Não sei se há uma definição clara dessa cultura, mas eu diria que o hábito de achar que a mulher deve estar disponível mesmo quando diz não, a ideia de que os homens devem ser “pegadores”, e assim muitos forçam a barra. Muitos homens não escutam o “não, para, eu não quero”, e ficam forçando a barra. Grande parte dos estupros acontecem entre pessoas que se conhecem, amigos, colegas, namorados… Quando o namorado ou marido supõe que sua companheira TEM que estar sempre disponível e afim dele, mesmo quando ela demonstra que não quer. Naturalizar, achar normal, abusar de uma mulher quando ela está numa festa, no Carnaval, isso é muito comum. Muitas mulheres têm horror ao Carnaval por terem passado por situações de violência sexual nessa festa.

Se as mulheres podem lutar pelos seus direitos, por que os homens não podem também?

Todos nós podemos lutar por direitos, claro, o machismo também oprime homens que estão fora do padrão, como os gays, ou meninos que não gostam de futebol na escola, por exemplo. Mas é muito mais comum a mulher ser vítima de violência, inclusive porque essa violência nem sempre é percebida pelo agressor como uma violência. Mas se a pessoa se sentiu agredida, então tem algo errado. Nossa sociedade tem muitas desigualdades – o machismo, o racismo, a homofobia, muitas vezes naturalizam certas agressões. Por isso a publicidade de cerveja é ofensiva, ela naturaliza que a mulher não deveria dizer não, ou seja, ela dá ideia de que a mulher não pode regular seu próprio corpo. Mesmo o beijo forçado é uma agressão! Sem falar no abusos em ônibus, trem e metrô…

É verdade que as feministas têm raiva dos homens?

Não se trata disso. Feminismo é um movimento que luta para que as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens têm, desde o direto ao voto, ao trabalho com o mesmo salário (direito que ainda não está garantido no Brasil), mas também direito ao seu próprio corpo, a escolher quando e se quer fazer sexo. O direito de ir e vir, por exemplo: no Brasil, as mulheres têm medo de andar na rua muitas vezes. A gente calcula quando está sozinha, “vou por aqui ou por ali?”, e não é só medo de assalto, é medo de estupro, medo das cantadas agressivas que ouvimos na rua.

 

Saiba mais:
– Mulheres se irritam com tom da campanha de Skol e alteram mensagem de outdoor (Brainstorm 9)
– Acusada de apologia ao estupro, Skol vai retirar campanha de circulação após protesto feminista (F5)

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