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O que é genocídio? – Me Explica
Você já ouviu falar no Julian Assange? Ele é um ativista australiano que está preso no Reino Unido, acusado de espionagem por vários governos, incluindo o americano.
E por que o Assange é importante? Em 2006, ele criou o site Wikileaks, que há anos publica documentos confidenciais de governos, especialmente dos Estados Unidos. O Wikileaks ficou famoso mesmo em 2010, quando publicou 700 mil documentos militares e diplomáticos dos Estados Unidos. Uma boa parte deles falava sobre as guerras no Afeganistão e no Iraque.
Um vídeo em especial chamou a atenção do mundo, porque mostrava o exército americano atacando civis no Iraque em 2007. Nesse ataque morreram várias pessoas, inclusive dois jornalistas da Reuters, agência de notícias internacional.
Outros documentos mostravam os bastidores da atuação do governo americano pelo mundo. A divulgação desses materiais causou vários constrangimentos para os Estados Unidos. Mas não só para eles. Na Tunísia, por exemplo, o governo chegou a ser derrubado por causa das denúncias de corrupção que os vazamentos do Wikileaks mostravam.
Desde 2010, o governo dos Estados Unidos está atrás do Assange. Ele é acusado de espionagem porque divulgou milhares de documentos confidenciais. E também de ter colocado a vida de mais de 100 pessoas em risco com a divulgação dos documentos.
A Chelsea Manning, ex-soldado que passou uma parte do material para o Assange, ficou presa por vários anos por esses mesmos motivos. Ela foi perdoada pelo então presidente Barack Obama em 2017 e solta.
O Julian Assange está na prisão no Reino Unido desde 2019. Antes, ele passou sete anos refugiado na embaixada do Equador em Londres por conta de uma acusação de estupro na Suécia. Esse caso foi encerrado e o Assange foi inocentado. O governo dos Estados Unidos, claro, quer que o Reino Unido mande o fundador do Wikileaks para lá, para poder processá-lo.
Por isso entrou com um pedido de extradição do Julian Assange. Ou seja, queria que o Reino Unido o mandasse para os Estados Unidos. A juíza negou o pedido porque, segundo ela, Assange corre risco se for transferido para os Estados Unidos. Para ela, existe um risco de uma morte por suicídio.
A decisão da juíza não foi comemorada por Assange porque essa foi a única justificativa que ela deu para negar a extradição. Para ele, seria melhor se ela falasse alguma coisa a respeito das acusações contra ele, o que a juíza não fez.
Você deve estar se perguntando: mas por que esse caso é tão importante? O cara foi lá, roubou documentos, divulgou, precisa responder por isso, certo?
Mas não é tão simples como parece. Uma das questões principais é a seguinte: o Wikileaks se define como um veículo jornalístico. Aliás, ele fez parcerias com vários veículos da imprensa internacional para publicar os documentos. Entre eles estão a Folha de S.Paulo, o The Guardian, do Reino Unido, e muitos outros.
Outra questão é que tudo indica que Assange não roubou nenhum documento: ele recebeu de fontes que repassaram o material para ele. Como a ex-soldado Chelsea Manning. É por isso que muita gente vê no caso do Assange uma ameaça à liberdade de imprensa.
E por quê? Pense no seguinte: os documentos que o Assange publicou, vídeos inclusive, eram de interesse público. Sim, em vários casos eles mostravam segredos dos diplomatas americanos. E há quem diga que o fundador do Wikileaks deveria ter analisado tudo antes de publicar porque as informações dessa papelada toda poderiam colocar alguém em risco.
Faz sentido, claro. Mas o que o Assange diz, e que faz sentido do ponto de vista da imprensa, é que se ele fosse analisar todos os documentos que recebeu, nunca iria conseguir publicar uma matéria. Porque o volume é tão grande que seria impossível analisar tudo.
O raciocínio dele é o seguinte: os segredos dos poderosos, como governos e empresas, não devem ser guardados. Justamente porque eles têm muito poder e os cidadãos têm o direito de saber o que eles fazem.
Por isso, muitos jornalistas e associações de imprensa defendem o Assange. Não porque gostam dele pessoalmente, mas porque o caso dele é simbólico. Se o governo americano processar o Assange por espionagem, como quer fazer, jornalistas do mundo todo vão ficar em risco. Se eles publicaram materiais confidenciais, podem ser presos e condenados por espionagem, mesmo que não tenham feito isso.
É como eu disse antes: o Assange e o Wikileaks não invadiram computadores dos governos para roubar documentos. Qualquer jornalista sabe que isso não é ético. Mas publicar materiais de interesse público, mesmo que tenham sido roubados por hacker, isso é o dever do jornalista.
O jornalista olha para esse material com a ajuda de colegas, da empresa onde trabalha, de advogados, e divulga os materiais que merecem ser notícia. O Wikileaks foi criticado por ter divulgado lotes de documentos sem editar nomes e outras informações. Mas, ao mesmo tempo, o site trabalhava com grandes jornais do mundo para publicar matérias em parceria com eles.
O caso do Julian Assange não é fácil. Mas é importante entender tudo o que está por trás dele. Não é necessário gostar do Assange para entender o perigo que o jornalismo vai correr se o governo dos Estados Unidos condená-lo por espionagem. Todo jornalista vai passar a ter medo de publicar qualquer coisa que seja confidencial por medo de ir parar na cadeia. Mesmo que a informação seja importante para todos nós, como crimes cometidos pelo governo.
E pior: isso pode virar um exemplo que outros governos do mundo vão passar a seguir para impedir que suas ações ilegais e imorais sejam divulgadas.
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